Os Estados Unidos abrigam a maior população de brasileires residentes fora do Brasil. Em 2007, o Itamaraty estimou que 1,2 milhão de brasileiros vivem no país, e que cerca de 63% destes se concentram nas regiões de Nova York, Nova Jersey, California, Massachusetts e Flórida.
Embora imigrantes brasileires sejam um grupo diverso e com diferenças notáveis em características demográficas, econômicas e geográficas, o Migration Policy Institute relatou que, em 2017, 14% deles viviam na pobreza, em comparação com 15% de todos os demais grupos de imigrantes e 13% dos nativos do país.
Desde sua criação, Kilomba Collective tem mobilizado, organizado e conectado uma rede diversa e multi-geracional de mulheres negras brasileiras que residem nos Estados Unidos, centralizando as experiências das pessoas negras brasileiras no cenário internacional. Quando nossa organização tinha apenas três meses de existência, a pandemia de Covid-19 atingiu, e tivemos que construir uma mobilização online ainda mais forte e organizada para enfrentar essa crise que afeta as comunidades negras latinas em índices altíssimos.
Entre outras ações desenvolvidas para apoiar imigrantes, a Kilomba criou um fundo de emergência em parceria com outros grupos brasileiros. Através do fornecimento de cestas básicas e sessões de terapia, essa iniciativa tinha como objetivo apoiar imigrantes brasileiros residentes em Nova York e Nova Jersey e que foram demitidos devido o Covid-19 ou que enfrentavam questões de saúde mental. Como forma de expandir e divulgar outras iniciativas, nosso coletivo também criou duas cartilhas digitais que alcançaram mais de 500 pessoas, com informações em português sobre serviços públicos, oportunidades de emprego, informações sobre moradia, fundos disponíveis e ajudas de emergência.
Essas informações sobre nossa atuação nos Estados Unidos são importantes para trazer o contexto de onde falamos e atuamos.
Sabemos que, embora a COVID-19 não discrimine segundo raça, classe e gênero, as décadas de desigualdade social têm mostrado que as consequências da pandemia não são sentidas igualmente por todas as comunidades nos EUA e no Brasil — o que significa que as soluções e estratégias para lidar com a pandemia também precisam abordar essas diferenças.
No caso dos Estados Unidos, diversos estudos mostram que pessoas negras têm quase três vezes mais probabilidade de morrer ao contrair Covid-19 do que pessoas brancas, e que são o grupo mais afetado financeiramente pela pandemia. Em estados como o de Michigan, pessoas negras foram 40% das mortes por coronavírus no último ano, embora representem 14,1% da população. Em cidades como Nova York, pessas negras são 28% dos óbitos e 22% da população da cidade.
Agora, um ano depois, com mais de 27 milhões de casos confirmados de Covid-19 nos Estados Unidos e mais de 10 milhões no Brasil, ainda sentimos os impactos das desigualdades que existiam antes da pandemia e cresceram exponencialmente no último ano. E são essas desigualdades que também se apresentam durante as estratégias desenvolvidas para o controle do vírus, no que se refere à distribuição de vacinas ou renda básica universal, por exemplo.
No caso da distribuição de vacinas, uma pesquisa da The Associated Press apurou que são pessoas brancas e bairros mais ricos que têm mais vagas nos sistemas de agendamento de vacinação e estão recebendo grande parte das vacinas oferecidas nos Estados Unidos. Das 50 milhões de doses da vacina contra o COVID-19 que foram administradas até agora, cerca de 17 estados têm distribuições desproporcionais de vacinas, mesmo em estados onde a população negra é maior, inclusive entre trabalhadores de saúde.
Na Filadélfia, pessoas negras são 44% da população, mas apenas 12% dos que receberam a vacina. Na Carolina do Norte, elas representam 22% da população e 26% da força de trabalho de saúde, mas apenas 11% das pessoas vacinadas até agora.
A verdade é que, assim como aconteceu no início da pandemia, a maioria dos estados ainda não divulgou dados raciais sobre quem foi vacinado, e dados desagregados são cruciais para as cidades direcionarem e alocarem recursos e testes para aqueles que são mais afetados pelo COVID-19, incluindo imigrantes, que constituem uma grande parte dos trabalhadores essenciais .
Trabalhadores imigrantes representam mais de 17% da força de trabalho, criando cerca de um quarto dos novos negócios, e são os que têm maior probabilidade de obter Covid-19. São os considerados trabalhadores essenciais que não podem ficar em casa, estando muitos deles na área de suprimentos, serviços de alimentação e setor de saúde — muitos sem seguro saúde ou licença médica relacionada ao COVID-19.
Diversos trabalhadores que sobreviveram ao Coronavírus tem relatado que receberam contas surpresas de milhares de dólares em despesas que deveriam ser pagas próprio bolso, após procurarem atendimento médico para sintomas de COVID-19 nos hospitais do país, porque não há atendimento universal de saúde gratuito nos Estados Unidos.
O jornal médico The Lancet comparou a pandemia nos Estados Unidos com outras nações de alta renda, como França e Canadá, e divulgou em seu relatório que a resposta do país ao Covid-19 foi insuficiente e que cerca de 40% das mortes poderiam ter sido evitadas se houvesse um sistema de saúde gratuito e universal para todes.
Se no que se refere a saúde ainda há um longo caminho a se percorrer, as medidas econômicas voltadas para a redução dos impactos da Covid-19 não estão longe disso. Em 2020, o governo federal autorizou um benefício de até $1.200 por adulto e $500 por criança para pagantes dos impostos federais com o SSN, um documento que no Brasil seria o equivalente ao CPF.
No entanto, famílias onde algum membro pagou os impostos usando outros documentos, como um número de identificação fiscal, ficaram desqualificadas para receber o pagamento. E muitos imigrantes e cidadãos usam esse documento para pagar seus impostos porque não possuem um SSN, o que significa que 15,4 milhões de pessoas não tiveram uma renda extra durante a crise, especialmente em estados como Texas, Nova York, Nova Jersey e Flórida — áreas com uma grande população brasileira.
A verdade é que, embora Estados Unidos esteja propondo medidas para apoiar as pessoas mais afetadas por essa pandemia, existem pontos que precisam se tornar centrais nessa conversa. Entre eles está a expansão de um benefício econômico pontual para uma renda básica universal e que forneça suporte econômico mensal para essas famílias sem restrições de documentos, assim como um sistema de saúde gratuito que garanta equidade na distribuição de vacinas e evite contas de milhares de dólares para obter tratamento para a Covid-19.
Kilomba Collective
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